Nem todo homem gosta da instituição do casamento. Nem todo homem é adepto do 'crescei e multiplicai'.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Antigos banhos turcos e saunas: onde os homens se socializavam



O atual neo puritanismo cristão repete o que o cristianismo, em seus primórdios, fez com o mundo greco-romano dito pagão: exterminou os banhos públicos e a camaradagem entre homens da antiquidade. Até os anos 1980/90, quase toda cidade média brasileira tinha um banho turco ou sauna onde os homens se socializavam. A frequência era de todo tipo de homem, sem distinção, onde proseavam, bebiam, lanchavam e muitos aproveitavam para se aliviar com outros homens (entre uma sauna seca e úmida): sempre havia um canto, uma brecha, e ninguém dedurava ninguém... havia um código de ética não explícito que hoje parece lenda. Mesma coisa nos longos banhos de vestiários (fábricas, clubes, associações, academias), com todos nus, sem separação de boxes, onde a conversa ia longe: impensável nos dias de hoje.

“... em 410 dC, com seu império se desmoronando, os romanos se retiraram da Grã-Bretanha às pressas e em confusão, e tribos germânicas entraram em massa de tomaram seu lugar.
Por quase 4 séculos (os britânicos) haviam feito parte da mais poderosa civilização da Terra, e desfrutando de seus benefícios - água corrente, aquecimento central, boas comunicações, governos bem organizados, banhos quentes - todos desconhecidos pelos seus brutos invasores (tribos germânicas).”
“Os antigos gregos eram devotos ao banho. Gostavam de ficar nus - ‘gymnasium’ significa ‘lugar nu’ - e suar diariamente fazendo exercícios saudáveis, finalizando com um banho coletivo. Mas esses mergulhos eram apenas higiênicos, algo prático e rápido, O banho tipo balneário, vagaroso e lânguido, começa em Roma. Na dedicação aos banhos, ninguém se iguala aos romanos.
Os romanos amavam a água - uma residência encontrada em Pompéia tinha 30 torneiras. Sua rede de aquedutos abastecia as cidades principais com superabundância de água potável. A taxa de abastecimento de Roma era intensa, luxuosa: 1.100 litros per capitã por dia, ou seja, 7 ou 8 vezes mais do que o romano médio necessita hoje.
Para os romanos, os banhos eram mais do que um lugar para a limpeza corporal: eram um refúgio diário, um passatempo, um estilo de vida. As termas romanas tinham bibliotecas, lojas, salas de ginástica, barbeiros, esteticistas, quadras de tênis, lanchonetes e bordéis. Eram usadas por pessoas de todas as classes sociais. ‘Era comum, ao se conhecer um homem, perguntar onde ele costumava se banhar’, escreve Katherine Ashenburg em sua cintilante história da limpeza, The dirt on clean (O lado sujo da limpeza). Algumas termas romanas foram construídas em uma escala realmente palaciana. As grandiosas termas de Caracalla podiam receber 1.600 banhistas de uma vez só, as de Diocleciano, 3 mil.
Um romano podia passar por várias piscinas em diversos graus de aquecimento - desde o frigidarium, a mais fria, até a calidarium, a mais quente. No caminho, ele ou ela pararia no unctorium (ou unctuarium) para receber óleos e perfumes, e em seguida no laconium, ou banho de vapor. Ali, depois de um bom suor, os óleos eram raspados com um instrumento chamado strigil, para retirar a sujeira e outras impurezas. Tudo isto era feito numa ordem ritualística, embora não haja acordo entre os historiadores sobre qual seria esta ordem, pois os detalhes variavam conforme o lugar e a época. Há muita coisa que não sabemos sobre os romanos e seus hábitos de banho - se os escravos se banhavam com os cidadãos livres, qual a frequência e a duração dos banhos, qual o entusiasmo das pessoas. Os romanos por vezes expressavam preocupação sobre o estado da água e o que nela encontravam flutuando; ou seja, nem todos eram tão amantes dos banhos como supomos.
Mas o que parece certo é que durante boa parte da era romana os banhos eram marcados por um decoro rígido, o que garantia uma atitude saudável e correta; mas, com o passar do tempo, a vida nas termas - como a vida em Roma em geral - tornou-se mais leviana e passou a ser comum que homens e mulheres se banhassem juntos e, talvez, que as mulheres se banhassem com escravos do século masculino. Ninguém sabe ao certo o que os romanos faziam por lá, mas o que quer que fosse, não era bem-aceito pelos primeiros cristãos. Eles viam os banhos romanos como lascivos e depravados - algo moralmente sujo, ainda que higienicamente não fosse assim.
É curioso como o cristianismo sempre esteve pouco à vontade em relação à limpeza, e desde o início criou uma estranha tradição de associar santidade com sujeira. Quando são Tomás Becket morreu, em 1170, os que os enterraram observaram, com aprovação, que suas roupas de baixo estavam ‘pululando de piolhos’. Durante todo o período medieval, uma maneira quase certa de ganhar honras duradouras era fazer um voto de nunca se lavar. Muitas pessoas foram a pé da Inglaterra à Terra Santa, mas, quando um monge chamado Godric fez isso sem se molhar uma só vez, ele se tornou - pelo visto, inevitavelmente - São Godric.
Na Idade Média, a propagação da peste fez as pessoas examinarem melhor sua atitude para com a higiene e o que poderiam fazer para modificar sua suscetibilidade às epidemias. Infelizmente, em toda parte as pessoas chegaram justamente à conclusão errada. Todas as mentes mais brilhantes concordavam que o banho abre os poros da epiderme, e assim abre as portas para os vapores mortais, que invadem o corpo. A melhor política era tapar os poros com sujeira. Durante os 600 anos seguintes, a maioria das pessoas não se lavava, nem sequer se molhava, se pudesse evitar - e pagavam caro por isto. As infecções eram parte da vida cotidiana. Furúnculos, pústulas e erupções eram rotina. As pessoas se coçavam o tempo todo. O desconforto era constante, as doenças graves eram aceitas com resignação.”

‘Em casa: uma breve história da vida doméstica’.
Bill Bryson.
Companhia das Letras - 2011.

Vilela Valentin